Friday, April 6, 2012

Vila de Brejão: Capitão Américo Ferreira (1844-1943)


Um costume de grande alcance social e religioso foi adotado por Monsenhor Afonso Pequeno; uma visita paroquial aos distritos municipais mensalmente, anuais, às fazendas que tivessem capela. Elas seriam sempre feitas pelo Vigário, e somente na impossibilidade deste poder ir, seria o visitante um Coadjutor. Serapião(sacristão) porém com doze anos já acompanhava os padres nessas viagens, feitas à noite ou pela madrugada. Essa prática passou a ser adotada em todas as paróquias do nordeste e a chamavam desobriga. Era como livrar o matuto das obrigações para com a Igreja. O Padre nessas visitas ia ao seu encontro, livrando-o das caminhadas e das despesas forçadas, com a sua estadia na sede. As caminhadas de Serapião eram quase sempre em cavalo chotão, na biroba de Zé Quiroz, ou em burra passeira alugada.
Nessas desobrigas o padre, auxiliado por Serapião, casava todos os que viviam maritalmente, sem terem recebido a bênção da Igreja; batizava as crianças pagãs e celebrava missa nas capelas. Só havia gente pobre e boa. Serapião serviu de padrinho para algumas dezenas de crianças, talvez centenas, nas rodas das desobrigas, porque os pais não apresentavam os compadres. Os matutos não convidavam os vizinhos porque tinham vergonha, dado o seu estado de pobreza. Algumas vezes por pura timidez. O bom sacristão em muitas ocasiões serviu de jirau, porque só aparecia o pai da criança. Seria padrinho e jirau ao mesmo tempo. Os noivos ou os padrinho só quando podiam davam uma espórtula, espontânea sim, embora na matriz existisse uma tabela, aliás baixíssima: dois mil réis para o batizado e para o casamento doze mil réis. Nas rodas dos casamentos chegavam a duas e três dezenas, e os batizados normalmente mais de uma centena, principalmente na Vila de Brejão.
Noivos trocados na Capela, casamentos suspensos por serem primos-irmãos e não terem licença do Bispo; menores sem autorização dos pais, que só apareciam na hora "H", acompanhados do Inspetor de Quarteirão.
Muitas crianças eram afastadas da roda para discutirem um novo nome, porque o seu Vigário não aceitava o nome que a mãe achou bonito e escolheu: Tricoline, Infausta, Meteoro, Deletério, Infanticida e muitos outros nomes mais bonitos... Como o Padre Luna se divertia.
As desobrigas na Vila de Brejão de Santa Cruz valiam por uma festa de arraial. Havia feira, barraquinhas, bandeirolas, leilões, etc. Os moradores ofereciam almoços e lanches aos matutos seus conhecidos. A viagem da sede para a vila seria muito longa quando era o Padre Benigno, porque obrigatoriamente, na ida e na volta, passaria pela fazenda dos franceses: Fernando Jouteux e dona Magdaleine, para ouvir um pouco da ópera, uma grande ópera em preparo, jamais terminada: "Canudos".
Os matutos diziam que eles eram esbilotados. Nas estradas de chão batido, que só davam para um carro de bois, em grande parte por dentro das matas, contavam-se muitas cruzes indicando "morte matada".
Em uma noite, após a saída do Padre, a Vila de Brejão foi cercada por um magote de cangaceiros. E logo visava a casa do Capitão Américo, sub-delegado, onde os padres e as pessoas de destaque social se hospedavam. Ele acabara de fazer uma limpeza numa fazenda do Distrito. Quase o Padre e o sacristão seriam surpreendidos com a brincadeira. O Capitão Américo em companhia do filho menor Idalino, com doze anos apenas resistiu horas ao fogo dos cangaceiros. A sua casa era cheia de rosas, pequenos furos na parede para entrincheiramento, cobertos apenas pelo rebôco caiado. Ao clarear do dia, restava o estrago feito pelos bandidos: a casa quase destelhada, animais mortos, móveis quebrados e Dona Nuta ferida, debaixo de uma cama de couro, coberta por sacos de milho, de feijão e farinha. E dia claro ainda gotejava coisa do telhado. No quintal dois estavam deixados. Feridos mesmo, não foram encontrados.
Mas viu-se depois que um rastro de coisa ia da casa até o oitão da Capela, e soube-se que era do chefe Garapão, levado para Poço Comprido, gravemente ferido, falecendo em caminho. Os seus companheiros trouxeram o corpo e sepultaram à entrada da Vila, num vale onde possuíra uma roça. Seria mais uma cruz na estrada, igual à vista por Herculano : "Amo-te, ó cruz, quando no vale / Negrejas triste e só / Núncia do crime, a que deveu a terra / Do assassinado o pó". Quando Serapião passava por lá, lembrava-se sempre dêsses versos do poeta luso.
O Capitão Américo disse que não limpava o município por causa da oposição. O rastejador(Tenente Raimundo) foi na cozinha e bebeu água num chocalho. Ainda o povoado estava todo às escuras, não se ouvia até então o maravilhoso canto das graúnas do Brejão, tão conhecidas e faladas no redondeza, como a coisa mais bela do amanhecer nas matas da região, nem o sacristão, sob invocação da Santa Cruz, anunciando a desobriga no povoado. Mas já era servido um cafezinho torrado em pilão, da fazenda dos Figueiras, e o rastejador começava a soltar o verbo. Em meio à matutada há sempre um falador. Capitão Américo foi um homem muito respeitado e que defendia o seu povo.(Foto: Capitão Américo Ferreira)

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