Thursday, May 10, 2012

O TESTEMUNHO DE SERAPIÃO SOBRE A HECATOMBE DE GARANHUNS




Serapião, que sempre foi um emotivo, jamais poderia esquecer o episódio triste da hecatombe de 1917, causada por um singular costume, as diligências das inocentes e leais Tropas de Cachimbos. Ele o guarda na lembrança com todas as cores de um acontecimento de terror e de piedade. E, por isto, no desenrolar dos fatos característicos do meio em que vivera a sua infância, no ambiente simples da sua juventude, a "Hecatombe de Dezessete" foi o acontecimento que mais feriu o seu espírito religioso. E ela foi sempre lembrada nos encontros dos contemporâneos daquela tragédia. Com que tristeza lembravam-se desse fato degradante, para uma sociedade culta, como era considerada a da sua terra. Viu tombarem muitos amigos do seu pai, e entre assassinos colegas de escola e companheiros da vida feliz na cidade e das festinhas regionais, bem nossas, bem brasileiras. Sabia que seria motivo de consternação, por muito tempo, aquele dia trágico, para a gente religiosa.
A tragédia vivida naquela cidade, empório comercial da zona do agreste e do sertão, foi conhecida como hecatombe, por ser examinada na justiça como uma imolação de vítimas da política nefasta de então.
De fato, e nenhum dos que tomaram parte da chacina cabia a responsabilidade de um ato isolado, pois o crime foi em conjunto. E a causa direta foi nada mais que os feitos de uma Tropa de Cachimbos, coisa tão comum nos sertões nordestinos. Mas o responsável sem dúvida já vinha de longe, do tempo do Império, seria o velho soba do Norte que criou a política dos Coronéis.
Oito horas da noite, deixava o Vila(Capitão Sales Vilanova) o Joaquim Vaz na esquina do Pestana e se dirigia para sua residência, atravessando a Praça Jardim, quando bem junto ao "Pau da Mentira" foi cercado por um grupo que o espancou, dizendo-lhe que estava apanhando por causa das notícias mandadas para o Recife. E foi este o primeiro sinal do evento lutuoso.
O Vila(Capitão Sales Vilanova) sem avisar aos amigos, embarcou para a Capital e em um restaurante matou o chefe político adversário (Coronel Júlio Brasileiro), irmão de um dos seus espancadores. A notícia chegou pela madrugada à cidade. Toda a população acordou sobressaltada. Ouviam-se tiros de rifles, gritos de jagunços, correrias por todo lado, já ao amanhecer. Criou-se um ambiente de grande confusão, com os manichupas da Prefeitura fugindo para a fazenda do Prefeito Vieira, em São João, grupos de cabras e cangaceiros chegando de algum coito, o Cônego Lira correndo de um lado para o outro, com um crucifixo, e o sacristão acompanhando-o, não com uma caldeirinha de água-benta, mas com um papo-amarelo. Em poucas horas a família do Coronel(Júlio Brasileiro) armou mais de trezentos homens, pois a cidade estava cheia de cabras desde as eleições, ocupando os pontos centrais e as saídas. Os adversários que não conseguiram sair da cidade, concentraram-se na Cadeia Pública, o edifício que apresentava maior segurança, pela sua localização e meios de defesa. A cadeia ficou sob a guarda da pequena força policial, chefiada pelo Cabo Cobrinha.
Sob a orientação do próprio Delegado de Polícia e do irmão do Coronel assassinado, às quinze horas, mais de duzentos homens, entre parentes, cabras, jagunços, cangaceiros e curiosos, assaltaram a cadeia, cercando-a por todos os lados, usando escadas e todas as armas que possuíam. O Cabo Cobrinha com os seus comandados e com os que estavam asilados, resistiu ao ataque durante duas horas, até esgotarem a munição. Tanto os feridos do grupo atacantes como os mortos foram carregados para a Matriz, e colocados no chão, em uma das alas laterais. Na torre, Serapião contava as entradas. Os assaltantes, ao ocuparem a cadeia, encontraram mortos o Cabo e alguns soldados, vários presos e políticos. Brutalmente trucidaram os feridos, sangrando os que não tinham recebidos ferimentos, inclusive os presos comuns, os quais nada tinham com a política. Foram assim, naquele dia trágico, chacinados respeitáveis cidadãos, políticos, comerciantes, industriais, fazendeiros, um médico, até estudantes. Perderam-se num curto espaço de tempo dezenas de vidas e criaram-se novos ódios entre filhos da mesma cidade. Muita gente boa naquele dia bateu a caçoleta, diziam os velhos moradores da cidade, porque esqueceram por momentos os ensinamentos de Jesus.
Começaria depois o moroso processo, anos a fio, e bem poucos foram presos. Os criminosos espalharam-se pelo Brasil a fora, alguns para o estrangeiro, outros acidentados nas feiras dos municípios vizinhos. Um chegou a ter influência política no Sul. E hoje só resta a triste lembrança dos episódios da política nefasta dos Coronéis.
1ª foto: Cerco a Cadeia Pública onde mais de duzentos homens, entre parentes do Coronel Júlio Brasileiro, cabras, jagunços, cangaceiros e curiosos, assaltaram a cadeia e chacinaram os que estavam lá.
2ª foto: Cadeia Pública logo após a chacina, totalmente destruída.
3ª foto: Viúvas e Filhos dos que morreram na Hecatombe.

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