Thursday, August 2, 2012

ATUAÇÃO DO DEPUTADO ANTÔNIO SOUTO FILHO NA CONSTITUINTE DE 1934





DEPOIS DE UMA PRISÃO ARBITRÁRIA EM 1931, E DE PASSAR ALGUNS MESES EM SÃO PAULO PARA SE DISTANCIAR DAS PERSEGUIÇÕES, SOUTO FILHO VOLTA À PERNAMBUCO SENDO ELEITO DEPUTADO CONSTITUINTE EM 1933.


Em janeiro de 1933, no Recife, Souto Filho(foto) é um dos fundadores e vice-presidente do Partido Social Republicano de Pernambuco, em oposição ao Partido Social Democrático, criado por Carlos de Lima Cavalcanti.
Ele estava pronto para mais uma luta eleitoral. Desta vez, por um partido de Oposição e candidato à Assembléia Nacional Constituinte nas eleições marcadas para 3 de maio daquele ano, as primeiras com o advento do voto secreto e livre do eleitor.

Não seria bem assim. Acontecia que ao ser chamado, o eleitor assinava o nome na lista de comparecimento e recebia das mãos do fiscal do partido do Governo, uma chapa para ser colocada na urna que ficava sobre a mesa de votação, à vista de todos. Não havia as chamadas cabines de votação. Tudo era claro e ostensivo. O eleitor de oposição tinha que levar a sua própria cédula ou consultar a papeleta que continha os nomes dos candidatos de todos os partidos. Votar contra o Governo era um ato difícil e de coragem. Pior: terminada a votação, o sistema permitia que os mesários, a maioria governista, completassem as listas de votação, assinando e votando pelos que ficaram em casa. Os próprios mesários abriam as urnas, contavam os votos e redigiam as atas. A revisão do resultado só ocorreria tempos depois nas Comissões de Verificação da Câmara. Mesmo assim, não deixava de ser um avanço em relação ao processo que ocorria na República Velha.

Chega o grande dia. As eleições, em todo o Estado, transcorrem de forma tranquila. A Imprensa acompanha com liberdade e as manifestações dos eleitores em favor de candidatos são respeitadas. Começavam a chegar ao Palácio da Justiça, local da apuração, os primeiros resultados da contagem de votos de várias regiões do Estado. Souto Filho foi o único candidato da oposição eleito para a Assembléia Nacional Constituinte. Cristiano Cordeiro obteve votos suficientes para se eleger, entretanto, por ser comunista e candidato por partido avulso, foi vítima de uma manobra que lhe tirou a vitória. Sobre a conquista de Souto Filho, no dia 6 de maio, o Jornal Pequeno registrava na primeira página: “Ontem, à tarde, em todos os recantos da Cidade, o assunto obrigatório nas conversações foi a vitória eleitoral do Dr. Souto Filho que ultrapassou o quociente eleitoral adquirindo 3.921 votos em primeiro turno. Foi o Jornal Pequeno de ontem quem deu, em primeira mão, essa notícia que causou surpresa no Recife inteiro”.

No mesmo dia, também na primeira página, o Diario de Pernambuco destacava: “No 1º turno, apenas foram eleitos os candidatos João Alberto, Barreto Campello, Agamenon Magalhães e Souto Filho”. Já o Jornal do Commercio, também do dia 6, narrava o clima de euforia dos admiradores de Souto Filho: “Sufocado quase pela avalanche de amigos e correligionários, que no afã de cumprimentá-lo não lhe davam trégua sequer para um suspiro, o prestigioso líder garanhuense, assim mesmo, ainda teve tempo para, numa rápida fuga, nos conceder alguns minutos de palestra, atendendo a uma solicitação nossa”.

Souto Filho voltava de forma triunfante à cena política. Seus adversários teriam que engolir aquele sapo, mas o vinho do Porto quem iria tomar era ele, na sua Garanhuns, junto com a família e centenas de admiradores, na festa da vitória do filho ilustre que estava sendo preparada pelos seus amigos Manoel Agripino do Rego Barros, Luiz Guerra, Elpídio Branco, José Marques de Oliveira, Lafayete Rezende, Francisco Figueira, Ary Barreto, Abdias Branco, entre tantos outros.

Em carro especial atrelado ao comboio da Great Western, Souto Filho, junto com sua família e amigos, segue com destino a Garanhuns. Nas estações de Canhotinho e Angelim, recebe grandes manifestações de apoio. Após a chegada apoteótica em Garanhuns, formou-se um grande cortejo em direção à sua casa, com direito a banda de música e foguetório. Durante a festa, realizada na sede do Sport Clube de Garanhuns, o melhor na época, Souto Filho pronunciou um discurso que traduzia todo o seu sentimento em relação aos dissabores que havia sofrido e a vitória recente. Eis os principais trechos, selecionados por sua filha Gerusa em seu livro Memórias de Amor: “Há pouco mais de três anos, quando eleito à Câmara Federal, dissolvida pelo poder das armas, os meus conterrâneos me ofereceram um banquete nesta cidade, no qual, diga-se de passagem, vi alguns convivas, que aqui não vejo. Naquele tempo, eu era um candidato do partido dominante e tinha nas mãos dos amigos todas as posições oficiais. Poder-se-ia dizer que ontem eu teria recebido um repasto de áulicos, mas, hoje, quando estou distante do poder, e por ele injustiçado e combatido, ninguém dirá que esta festa não seja uma viva expressão do sentimento de Garanhuns com o seu modesto filho, que, no decorrer da sua vida pública, sempre procurou honrar e engrandecer o rincão natal. É que a eloquência da de agora, ressalta menos do fato em si mesmo, do que do momento e condições em que é feita. A de hoje vale mais do que a de ontem, tanto para vós, como para mim. Com o revés de outubro de 1930, advém-nos uma quadra de pleno arbítrio, na qual, ficamos sujeitos a toda sorte de achincalhes, de perseguições, de violências, de difamações, pondo-se no pelourinho das torturas morais, a honra dos vencidos, exceto a daqueles que, por fraqueza ou conveniência, foram se engajando nas fileiras dos vencedores. Crivaram-nos com todos os defeitos e imputaram-nos de todos os desmandos, crimes e malversações, numa orgia satânica de ferir, denegrir e inutilizar, sem se lembrarem do que mais alto do que a injúria soez, há de falar a sociedade em que vivemos, testemunha incorruptível e serena dos erros e acertos dos nossos serviços e desserviços, dos nossos defeitos e qualidades. E já começou a falar, apesar de todas as coações exercidas contra os nossos amigos. Os nossos adversários esperavam, que o processo de ultraje fosse suficiente para nos incompatibilizar com a opinião pública da nossa querida terra e que os sofrimentos morais vos abatessem o ânimo viril e vos matassem todas as aspirações, decorrentes do direito de cidadania. A todos prometo que, no seio da Assembléia Nacional Constituinte, procurarei desempenhar o mandato, com que me honraram, de conformidade com as minhas forças e de acordo tanto quanto possível, com o programa do partido, que inscreveu o meu nome no rol dos seus candidatos. Não darei lustre à investidura, mas me sinto com as necessárias forças morais para exercê-la com probidade e patriotismo, sem me deixar arrastar pelos desvarios da paixão partidária e sem me subordinar a outros interesses que não sejam do Brasil, ávido de ordem para prosperar, de direito para viver e de liberdade para respirar. Nas resoluções desta Constituinte, que vai dar ao País politicamente desorganizado, o estatuto básico dos seus destinos, o meu voto e os meus esforços se somarão aos daqueles que propugnarem pelo restabelecimento das normas sábias e liberais da velha Constituição, que, a meu ver, só merece ligeiras modificações, reclamadas umas pela experiência da vida federativa e outras forçadas pelas circunstâncias do momento político. É possível que seja forçada a válvula fechada, como se fez na Constituinte 90/91 e a Nação possa começar a pôr seus delegados a se manifestar mais livremente. Do anteprojeto constitucional, também mandado elaborar pelo Governo provisório pouco ou nada se conhece, mas, é de crer, que, não venham, em seu contexto, inovações exóticas ou dispositivos atentatórios da nossa crença religiosa e dos direitos de segurança, liberdade e propriedade tão caros a comunhão brasileira e tão resguardados pela Carta Política, que a revolução espatifou. Destes-me, meus caros amigos, a vitória e ainda me festejais. Assinalas-te, assim, o ponto culminante de toda minha carreira política. Se pudesse encerrá-la hoje, recolher-me-ia à vida privada, sobranceiro e compensado de todas as suas agruras, abraçando os amigos que me elevaram e até perdoando os adversários, que, em vão, tentaram me desconceituar por todos os meios e modos. Mas isto não é possível: seria egoísmo, desprimor e fraqueza, seria não corresponder a vossa confiança e não ser digno dos vossos ingentes sacrifícios. O meu lugar, é ao vosso lado. Agora e sempre.”

O Hotel América, na Rua do Catete, recebe, mais uma vez, a família Souto Filho. Os amigos do Rio festejam a chegada do constituinte pernambucano. O general Góis Monteiro era um assíduo visitante da família. Ironicamente, o general liderou, mais tarde, um golpe anticonstituinte contornado por Getúlio Vargas. Ficavam horas conversando sobre política. As crianças retomavam seus estudos e matavam as saudades. Souto Neto voltou a frequentar o tradicional Colégio Santo Antonio e a jogar futebol com o filho do deputado baiano, Magalhães Neto, Antonio Carlos Magalhães, hoje ex-senador. O Rio de Janeiro, mais do que nunca, era o foco das atenções de todo o Brasil. Duzentos e oitenta e um homens e apenas uma mulher, a paulista Carlota de Queiroz, iriam decidir sobre os destinos do País, elaborando uma nova Constituição, embora o Governo provisório tenha elaborado um anteprojeto para servir de base na sua feitura.

Empossado em novembro de 1933, Souto Filho é um dos que se destacam na Constituinte, ganhando espaço na Imprensa pela sua atuação em diversas áreas de trabalho da Carta, que seria promulgada em 16 de julho de 1934:

A Nova Constituição: “Sempre me incluí entre os que entendiam que o Brasil poderia poupar o trabalho da feitura de uma nova Constituição, uma vez que, a que nos legaram os republicanos de 1891 é uma das melhores do mundo. Merecia reparos de ordem técnica e algumas modificações aconselhadas pela experiência e pelos reclamos da evolução, o que se poderia fazer sem desfigurar a beleza da sua forma e sem quebrar o ritmo de sua harmonia”. (Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 6/4/34).

Autonomia dos municípios: “O artigo 119 do substitutivo, em seu parágrafo segundo, preceitua que o prefeito ‘poderá ser nomeado pelo governo do Estado, na capital ou naqueles onde o Estado custeie serviços municipais’. Com este ‘poderá’, o cidadão há de ficar às tontas nas vésperas de uma eleição, sem saber se o governo tem ou não candidato a nomear, já que a nomeação é facultativa. E não é só isso, A autonomia municipal ficará exposta ao maior desvirtuamento, podendo mesmo desaparecer praticamente do quadro das conquistas democráticas. Estou clamando contra os atentados à autonomia dos municípios”. (Jornal do Commercio, Rio de
Janeiro, 6/4/34).
Defendendo os interesses dos Estados e de Pernambuco: Apresenta emenda ao art. 14 do anteprojeto. “Elimine-se do nº 1 do art. 14 as palavras ‘de consumo’ que devem figurar no inciso 1º do art. 15, eliminando-se daquele artigo as palavras ‘bem como o global’ e deste as ‘bem como o cedular de renda’. Reconhecemos que é do maior interesse econômico para o País, ficar o imposto de exportação pertencendo à União. O anteprojeto, porém, não bem se apercebeu da verdadeira situação dos Estados, em face da permuta que faz, dando a estes o imposto cedular da renda e à União, o imposto sobre a exportação. Com tão avultadas obrigações, com déficits alarmantes e com o decréscimo sensível da arrecadação, não será possível ao Estado abrir mão da sua maior fonte tributária (em Pernambuco, o açúcar), sem uma compensação razoável. O imposto de consumo deve conciliar e parece ser o único que compensaria o imposto de exportação, além de ser mais justo que aos Estados caiba, na distribuição tributária, o referido imposto. Daí a nossa sugestão no sentido de a União cedê-lo aos Estados ao invés da renda”.

Contra o divórcio: “Voto contra a qualquer sugestão que queira implantar o divórcio no Brasil. Além de defender os ditames da minha consciência, faço cumprir um compromisso de campanha com a igreja católica, que defende o preceito do casamento indissolúvel. A polêmica do tema, exaustivamente debatida nos jornais da minha terra ao longo dos anos, deixou clara a reação dos pernambucanos a essa iniciativa. A evolução da sociedade e dos costumes dirá o momento apropriado para nova discussão. Agora, não”. (Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22/12/33).

Mudança no Regimento: “Daria o meu voto a qualquer modificação regimental no sentido de se apressar a constitucionalização do País, mas sem sacrifício do exame e discussão de projetos e suas emendas. O substitutivo da comissão de política à indicação de Medeiros Neto, além de trazer no seu fecho a possibilidade da inversão da ordem dos trabalhos, absurdo que o bom senso já repeliu, reduz a meia hora o prazo para cada congressista falar sobre o projeto, inclusive emendas, que proponha em restrição, o que impossibilita o exercício do mandato e conspurca a finalidade da Assembléia Constituinte. Por isso voto contra o aludido substitutivo”. (Jornal do Comércio, Recife, 10/12/33).

Contra o Conselho Nacional: “O Conselho Nacional, como está proposto, é um quarto poder e mais forte do que os outros, não só pela órbita da competência, que lhe traçaram, como pelos privilégios que lhe deram. É um órgão destinado a viver em perene conflito com os outros poderes, perturbando-lhes a ação e entravando a marcha dos negócios públicos”. (Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 10/04/34).

Os jornais de Pernambuco acompanhavam os trabalhos da Constituinte exaltando os seus representantes preferidos. O Estado mantinha uma linha de independência e incomodava o interventor Carlos de Lima. No início de março de 1934, a polícia invade a redação do jornal, exigindo que seja publicada uma nota oficial do interventor, sem direito a comentários. Com a negativa da direção da empresa, nova invasão, depredação e ameaças. No dia 8 de março, Souto Filho vai à tribuna para protestar contra a violência:

“Sr. Presidente, pedi a palavra para comunicar à Assembléia que, ao entrar neste recinto, recebi um telegrama relatando o fechamento virtual d’O Estado, órgão que se edita no Recife. Apresento o meu veemente protesto contra essa violência do governo de Pernambuco.

Agamenon Magalhães: Vossa Excelência, que está falando em liberdade e em intolerância é o representante do regime de maior intolerância que se instituiu em Pernambuco.

Souto Filho: O regime do qual Vossa Excelência fez parte, juntamente comigo, como deputado.

Agamenon Magalhães: Sempre defendi as liberdades públicas.

Souto Filho: Apoiando o Governo do senhor Sérgio Loreto e outros.

Agamenon Magalhães: Vossa Excelência é um retardatário, só hoje é que vem falar aqui em liberdades públicas.
Souto Filho: Retardatário é Vossa Excelência, que sempre foi um reacionário.

Agamenon Magalhães parte em direção de Souto Filho, mas é impedido pelo general Cristóvão Barcelos, que se coloca entre eles. Agamenon tem uma crise de nervos e não consegue sequer articular as palavras, naquele momento. O episódio teve ampla repercussão no Rio de Janeiro. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Herbert Moses, se solidariza com Souto Filho e com a direção d’O Estado. A liberdade de Imprensa era um imperativo para a maioria dos constituintes e sociedade em geral. Souto Filho, um jornalista extemporâneo, conseguiu chamar a atenção do País contra o cerceamento da Imprensa pelo interventor Carlos de Lima. O Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, no dia 12 de março, fazia coro junto com toda a Imprensa carioca: “Causou péssima impressão, nos meios jornalísticos e políticos, o restabelecimento da censura aos jornais de Pernambuco”.

Um mês antes da promulgação da Carta, Souto Filho, se despede dos trabalhos na Constituinte, votando contra a elegibilidade de Getúlio Vargas, chefe do Governo provisório, à Presidência da República. Vargas, entretanto, no dia seguinte à promulgação da Constituição, foi eleito, indiretamente, pela Assembléia, presidente da República, tomando posse em 20 de julho para um mandato constitucional até 1938. A nova Constituição manteve a Federação; proíbia a reeleição dos chefes executivos, exceto aqueles que se encontravam nos cargos naquele momento; mantinha a autonomia dos Estados; reconhecia os direitos sociais; acabava com os Senados estaduais, mantendo só as Câmaras e criava a figura do deputado classista, eleito pelos sindicatos, entre outras medidas.
(Fonte da Pesquisa: Livro de Ildelfonso Fonseca: "A essência do político no frasquinho de veneno").

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