Wednesday, January 8, 2014

FUNDOS SOBERANOS: "A CIGARRA E A FORMIGA"

O Fundo Soberano do Brasil (FSB) é novo. Criado pela Lei 11.887, de 24 de dezembro de 2008, o FSB tem natureza jurídica definida como “fundo especial de natureza contábil e financeira, vinculado ao Ministério da Fazenda”. Foi regulamentado pelo decreto 7.055, de 28 de dezembro de 2009, que, entre outras provisões, determinou que a rentabilidade mínima de aplicações no exterior deveria ser equivalente à taxa Libor de seis meses; e que as aplicações em ativos financeiros no Brasil deverão ter rentabilidade mínima equivalente à Taxa de Juros de Longo Prazo.

O aporte inicial ao Fundo foi realizado em 30 de dezembro de 2008, por intermédio da emissão de títulos do Tesouro Nacional, totalizando pouco mais de R$ 14 bilhões, quando simultaneamente integralizou cotas do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização – FFIE, fundo multimercado exclusivo, que tinha como ativos subjacentes ações do Banco do Brasil e da Petrobras. Em 2012, sacou-se cerca de R$ 10,5 bilhões, fazendo com que o FSB se tornasse menor do que o Fundo Peruano, Chileno e mesmo de Botswana, grande produtor mundial de diamantes.

Se nosso objetivo era nobre (especificado na sua lei de regência como “a promoção de investimentos em ativos no Brasil e no exterior, a formação de poupança pública, a mitigação dos efeitos dos ciclos econômicos e o fomento de projetos de interesse estratégico do país localizados no exterior”), nosso comportamento foi mundano e imediatista, já que o saque ocorreu para que a meta fiscal do ano fosse cumprida.

Há algumas observações relevantes sobre o assunto. Talvez a mais óbvia é que um fundo não é uma conta-corrente da qual se deva (ou mesmo se possa) sacar. É claro que qualquer fundo possa ter relevância na administração fiscal e monetária mediata, mas, como estratégia de investimento, ele deve mirar o longo prazo. Vamos tomar como exemplo a China, que, por meio da China Investment Corporation (com ativos de U$ 575 bilhões), investe em companhias prospectoras de matérias-primas na África, pela simples e boa razão de ser país pobre em alguns recursos naturais e tem sentido estratégico, no seu plano de desenvolvimento, garantir o acesso a tais produtos. Outros, como o Abu Dhabi Investment Authority, com U$ 627 bilhões de ativos, pretendem investir em infraestrutura onde há demanda e retornos elevados (por exemplo, o Porto Sudeste, que pertencia a MMX).

Por esta razão, o FMI publicou certos princípios de acumulação, saques e investimento (conhecidos como “Princípios de Santiago”, cidade que sediou a reunião, em setembro de 2008), tentando estimular transparência, independência do Executivo, governança e regras de conduta. Pode-se achar que é coisa de país rico e produtor de petróleo, mas estatísticas mostram que dos estimados U$ 5 trilhões de fundos soberanos em 2012, cerca de R$ 2,1 trilhão vinham de países como o Brasil, que pouco geram de superávits comerciais.

Mas o exemplo a seguir vem de um país nórdico, que produz petróleo e que, diferentemente da Venezuela, usa seus recursos de uma maneira muito mais inteligente (e menos política). O Fundo de Pensão do Governo da Noruega (que antes se chamava Fundo de Petróleo da Noruega) é o maior do planeta, com U$ 784 bilhões, e, apesar do nome, suas contribuições não vêm dos futuros pensionistas, mas de impostos sobre lucros da indústria petroleira, além de concessões para exploração e refino de petróleo. Tem uma política de investimento definida e pública: pode investir até 5% em imóveis, 60% no mercado internacional de ações e o restante em títulos públicos do governo. O fundo adota políticas altamente controversas, de acordo com o seu Conselho de Ética, que proíbe investimentos em companhias consideradas “contribuidoras” diretas ou indiretas para morte, tortura, privação da liberdade ou mesmo outras violações de Direitos Humanos (conceito que acaba por equiparar companhias de cigarros àquelas que exploram mão de obra escrava, por exemplo).

Mas o ponto central é a sua preocupação com gerações futuras. O Statens pensjonsfond – Utland, (SPU), seu nome original, não usa os vultosos recursos para populismo ou projetos estatais – ao contrário, investe nos mercados financeiros e tem sempre em mente retornos compatíveis com o risco, mais a acumulação do capital.

Apesar de não ter sido norueguês, há uma fábula, recontada por Jean de La Fontaine (escritor francês que viveu no séc. XVII), “A cigarra e a formiga”, que ilustra bem as diferenças entre Noruega e Brasil: tendo a cigarra cantado durante o verão, apavorou-se com o frio do inverno. Sem mosca ou verme para se alimentar, com fome, foi ver a formiga, sua vizinha, pedindo-lhe alguns grãos para aguentar até vir uma época mais quentinha. “Eu lhe pagarei”, disse, “antes do verão, palavra de animal, os juros e também o capital”. A formiga não gosta de emprestar. É esse um de seus defeitos. “O que você fazia no calor de outrora?”, perguntou-lhe ela com certa esperteza. “Noite e dia, eu cantava no meu posto, sem querer dar-lhe desgosto”. “Você cantava? Que beleza! Pois, então, dance agora!”(Blog Fernando Nogueira Costa).

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